Tinha grande
afeição pelo conceito de legado artístico. Talvez tão grande quanto sua
incapacidade de criar um.
Tantas e incríveis
histórias já contadas. Verdadeiros tesouros que atestam a fantástica capacidade
humana de criar.
Por que uma delas
não poderia ter sido dele? Em todo canto, pessoas contando histórias surgidas
em sonhos. “Em sonhos, pelo amor de Deus!”. Não parecia justo.
Imaginou por um
momento as grandes ideias pairando no ar, à procura de uma cabeça na qual
pousar para através dela tomar forma e estilo.
Nenhuma delas disposta a agraciá-lo, aparentemente.
Nenhuma delas disposta a agraciá-lo, aparentemente.
“Talvez todas as
boas ideias já tenham se esgotado. O ‘novo’ não passa de uma cópia de uma cópia
de uma cópia”, concluiu, insegura e ingenuamente. Sabia que não acreditava
naquilo. Era quase uma regra: a cada boa história lida, sua admiração pela
pessoa que a escreveu rivalizava apenas com a inveja que sentia da mesma. “Por
que não pensei nisso antes?” era uma constante.
Desejou, como
nunca antes, uma máquina do tempo.
“Hitler?”, pensou.
“Nah, deixe-o ter sua ‘festinha’.”
Suas motivações não
seriam mesmo nobres nem éticas, fingir pra quê? Para quem?
Voltar no tempo
para roubar o trabalho alheio não combina com heroísmo.
Não, ele não teria
boas intenções. Desejava o sucesso, o reconhecimento por um trabalho bem feito.
Mesmo que por outra pessoa, mas feito. Seu nome na capa bastaria.
Uma onda de calor
desconfortável percorreu seu corpo. Ele a conhecia muito bem: sua insegurança.
E se acidentalmente destruísse o trabalho do qual se apropriou? Seriam as
grandes obras assim consideradas justamente por serem feitas por quem foram?
Sacudiu o
pensamento negativo da cabeça. Passou a buscar na memória pelos trabalhos
favoritos, dos quais teria orgulho de se dizer autor. “Talvez eu poderia até...
melhorá-los?”. Nova onda de calor.
Lembrou que sempre
quis conhecer seus ídolos. A viagem no tempo o permitiria se tornar
cada um deles. Muito mais interessante.
Seria Lispector,
Machado de Assis, Jane Austen, Veríssimo e Drummond. Seria Arthur C. Clarke, Stephen
King, Carl Sagan e Allan Poe.
De Tolkien a
Guimarães Rosa. Versátil assim.
E lembrou-se do Cinema.
Grandes histórias e escritores por lá também. Não tinha muito gosto pela área, mas
tinha suas preferências.
Teria a
racionalidade de Nolan e a excentricidade de Tarantino. A complexidade de Charlie
Kaufman e o sarcasmo de Woody Allen. Seria ambos os irmãos Coen num corpo só.
Iria para o começo
dos anos 1980 e escreveria De Volta para o Futuro. Um orgasmo
metalinguístico.
Consideraria até
mesmo voltar alguns milhares de anos para escrever a Bíblia. Afinal, qual seria
a sensação de ser o autor do conto de fadas mais vendido de todos os tempos?
“Talvez até atualizá-la?”. Nenhum calor se manifestou.
Não saberia dizer
quanto tempo ficou escrevendo na cabeça a própria versão do que seus ídolos colocaram
no papel.
“Só que máquinas
do tempo não se vendem por aí”, refletiu com sabedoria. Era verdade. Objetos fictícios tinham o costume irritante de não existir. Com este contratempo, abandonou seus devaneios.
Alheio até mesmo ao fato de que estes, com algum esforço, poderiam originar uma história.