terça-feira, 30 de abril de 2013

O viajante plagiador

Ele estava travado. Nenhuma gota de pensamento. Mas queria produzir. Precisava produzir.

Tinha grande afeição pelo conceito de legado artístico. Talvez tão grande quanto sua incapacidade de criar um.
Tantas e incríveis histórias já contadas. Verdadeiros tesouros que atestam a fantástica capacidade humana de criar.
Por que uma delas não poderia ter sido dele? Em todo canto, pessoas contando histórias surgidas em sonhos. “Em sonhos, pelo amor de Deus!”. Não parecia justo.

Imaginou por um momento as grandes ideias pairando no ar, à procura de uma cabeça na qual pousar para através dela tomar forma e estilo.
Nenhuma delas disposta a agraciá-lo, aparentemente.
“Talvez todas as boas ideias já tenham se esgotado. O ‘novo’ não passa de uma cópia de uma cópia de uma cópia”, concluiu, insegura e ingenuamente. Sabia que não acreditava naquilo. Era quase uma regra: a cada boa história lida, sua admiração pela pessoa que a escreveu rivalizava apenas com a inveja que sentia da mesma. “Por que não pensei nisso antes?” era uma constante.

Desejou, como nunca antes, uma máquina do tempo.
“Hitler?”, pensou. “Nah, deixe-o ter sua ‘festinha’.”
Suas motivações não seriam mesmo nobres nem éticas, fingir pra quê? Para quem?
Voltar no tempo para roubar o trabalho alheio não combina com heroísmo.
Não, ele não teria boas intenções. Desejava o sucesso, o reconhecimento por um trabalho bem feito. Mesmo que por outra pessoa, mas feito. Seu nome na capa bastaria.

Uma onda de calor desconfortável percorreu seu corpo. Ele a conhecia muito bem: sua insegurança. E se acidentalmente destruísse o trabalho do qual se apropriou? Seriam as grandes obras assim consideradas justamente por serem feitas por quem foram?

Sacudiu o pensamento negativo da cabeça. Passou a buscar na memória pelos trabalhos favoritos, dos quais teria orgulho de se dizer autor. “Talvez eu poderia até... melhorá-los?”. Nova onda de calor.

Lembrou que sempre quis conhecer seus ídolos. A viagem no tempo o permitiria se tornar cada um deles. Muito mais interessante.

Seria Lispector, Machado de Assis, Jane Austen, Veríssimo e Drummond. Seria Arthur C. Clarke, Stephen King, Carl Sagan e Allan Poe.
De Tolkien a Guimarães Rosa. Versátil assim.

E lembrou-se do Cinema. Grandes histórias e escritores por lá também. Não tinha muito gosto pela área, mas tinha suas preferências.
Teria a racionalidade de Nolan e a excentricidade de Tarantino. A complexidade de Charlie Kaufman e o sarcasmo de Woody Allen. Seria ambos os irmãos Coen num corpo só.
Iria para o começo dos anos 1980 e escreveria De Volta para o Futuro. Um orgasmo metalinguístico.

Consideraria até mesmo voltar alguns milhares de anos para escrever a Bíblia. Afinal, qual seria a sensação de ser o autor do conto de fadas mais vendido de todos os tempos? “Talvez até atualizá-la?”. Nenhum calor se manifestou.

Não saberia dizer quanto tempo ficou escrevendo na cabeça a própria versão do que seus ídolos colocaram no papel.
“Só que máquinas do tempo não se vendem por aí”, refletiu com sabedoria. Era verdade. Objetos fictícios tinham o costume irritante de não existir. Com este contratempo, abandonou seus devaneios. Alheio até mesmo ao fato de que estes, com algum esforço, poderiam originar uma história.

E foi atualizar o seu blog.