James Kirk (Chris Pine) está agora no comando da USS
Enterprise, imprimindo nas missões que lidera toda a sua impulsividade e o seu
descaso para com regras. Depois de quebrar o regulamento ao permitir que os
habitantes primitivos de um planeta avistassem a Enterprise durante uma missão de
socorro (numa sequência que curiosa e inesperadamente flerta com a ideia de que
povos primitivos possam tomar alienígenas e sua tecnologia avançada por
divindades e magia), Kirk vê seu posto de capitão ameaçado ao mesmo tempo em
que um poderoso terrorista com objetivos desconhecidos (Benedict Cumberbatch) começa
a botar seus planos em ação.
Assim somos apresentados ao vilão, cuja natureza intrigante fica clara logo no início com a troca de favores entre ele e outro personagem – e o plano
que mostra o resultado de um sacrifício para logo em seguida exibir o motivo do
mesmo é particularmente forte por nos fazer refletir quanto à moralidade do
ato. Aliás, o sacrifício é algo que permeia toda a narrativa. Várias vezes,
vemos tripulantes da Enterprise dispostos ao sacrifício para salvar uns aos
outros, o que poderia eventualmente perder o impacto e soar artificial, mas aqui
acaba criando um sentimento de união, de pertencimento, como numa família. Portanto,
não deixa de ser curioso que Spock (Zachary Quinto) – de quem constantemente é
cobrado algum tipo de demonstração de empatia mesmo que sua origem parcialmente
vulcaniana seja de conhecimento geral – protagonize alguns dos momentos mais
tocantes do filme. Quinto se estabelece de vez como sucessor de Leonard Nimoy
(ou seria predecessor?) ao atingir um ótimo balanço entre razão e emoção, que dão força aos raros momentos em que esta prevalece sobre aquela.
Ainda no que se refere a vidas perdidas, J.J. Abrams é corajoso
ao não tentar diminuir as consequências de determinados eventos (dentro dos
limites da classificação indicativa, é claro), diferentemente dos responsáveis por
Os Vingadores, por exemplo, que
parecem querer que o espectador acredite que nem uma única vida inocente foi
perdida durante um ataque alienígena. Abrams também ganha créditos ao não
ignorar os trágicos eventos do filme anterior (tornando este uma sequência e
não apenas mais um da série), o que contribui para aumentar o tom de urgência
nos vários momentos em que tudo parece estar perdido e nos faz temer pelo futuro dos personagens.
Com um subtexto político,
a trama de Star Trek Into Darkness gira
em torno de um jogo de interesses no qual uns prezam pela integridade
ideológica e outros julgam que os fins justificam os meios (e é interessante notar como, na cena em que um personagem importante desse jogo nos é apresentado, a maquete com a
evolução das naves espaciais nos dá uma dica sobre a participação dele na história). Frequentemente, as ações dos personagens são influenciadas
pela ideologia daqueles pelos quais possuem mais carinho e respeito. Nesse
sentido, Pike (Bruce
Greenwood) se estabelece como a figura paterna que Kirk jamais teve
e Uhura (a bela Zoe Saldana)
começa a confrontar a inexpressividade de Spock. Scotty (o ótimo Simon Pegg) e
Bones (Karl Urban)
reprisam bem seus papéis, servindo novamente como um bem-vindo alívio cômico.
Já o Chekov de Anton Yelchin
não ganha tanto espaço quanto no episódio anterior para nos divertir com seu
estranho sotaque, ao passo que o sempre carismático John Cho também perde
espaço com seu Sulu, apesar de possuir cenas mais marcantes. Fechando o elenco,
temos o vilão de Cumberbatch (merecidamente reconhecido por seu ótimo trabalho
na série britânica Sherlock), criando um personagem cuja superfície fria e calculista (que chega a tornar Spock emotivo quando comparado a ele) esconde revolta e uma
ira quase animalesca.
Do ponto de vista técnico, J.J. Abrams cria ótimas
sequências de ação e momentos de tensão, auxiliado pela montagem quase episódica
que os objetivos dos personagens fornecem. Já seus quadros inclinados e travellings são moderados e bem
utilizados principalmente ao conferir um bom ritmo às discussões e
tomadas de decisões rápidas por parte dos tripulantes. Como não poderia deixar
de ser numa produção dessas, os efeitos visuais e o design de produção são
impecáveis, e, juntamente com a fotografia, criam ambientes únicos para cada
locação que refletem a natureza de quem os habita e ajudam a contar a história.
Destaco também o momento em que os tripulantes da Enterprise enfrentam um
problema com a gravidade dentro da nave, numa sequência que parece ter saído de A Origem e que transforma longos e
inofensivos corredores em fundos e perigosos poços.
E se por um lado fiquei satisfeito de conferir o novo
“visual” externo do momento em que as naves entram em velocidade de dobra
(oras, se de dentro vemos a luz das estrelas “esticando”, por que não esticar também
as naves quando as observamos de fora?), por outro não consigo entender a
obsessão de Abrams por seus malditos flares,
que aqui parecem ter atingido o seu máximo (ou assim espero). Abrams parece ser o
único que não vê mal algum em constantemente adicionar os reflexos artificiais
das lentes que atrapalham a visão que os espectadores terão de seu filme.
Star Trek Into Darkness mostra que o ótimo reboot de 2009 não foi um acidente e que
ainda há, sem trocadilhos, muito espaço para exploração na série. Nem mesmo o
desfecho um tanto quanto previsível diminui os méritos do filme, já que sua
previsibilidade é visível apenas para o espectador e não para os personagens,
mantendo intacta e legítima a força de seus momentos finais. Mal posso esperar
pela continuação.
(5 estrelas em 5)
Obs: A versão 3D é dispensável, pois é meio problemática e desnecessária, além de atrapalhar a legenda aqui e ali.
Obs: A versão 3D é dispensável, pois é meio problemática e desnecessária, além de atrapalhar a legenda aqui e ali.