domingo, 16 de junho de 2013

Crítica: Star Trek Into Darkness

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que não sou conhecedor da mitologia Star Trek e não assisti às séries nem aos filmes antigos (com exceção do longa anterior a este, do qual gosto muito). Além disso, mesmo possuindo todas as características de um, não sou desses fãs apaixonados que discutem incansavelmente qual a melhor série, Star Wars ou Star Trek (apesar de gostar mais da segunda). Portanto, quando o nome de determinado personagem é revelado, por exemplo, apenas registro a informação e sigo em frente, enquanto os espectadores à minha volta manifestam surpresa e entusiasmo. Saiba que é dessa pessoa que vem o texto a seguir.

James Kirk (Chris Pine) está agora no comando da USS Enterprise, imprimindo nas missões que lidera toda a sua impulsividade e o seu descaso para com regras. Depois de quebrar o regulamento ao permitir que os habitantes primitivos de um planeta avistassem a Enterprise durante uma missão de socorro (numa sequência que curiosa e inesperadamente flerta com a ideia de que povos primitivos possam tomar alienígenas e sua tecnologia avançada por divindades e magia), Kirk vê seu posto de capitão ameaçado ao mesmo tempo em que um poderoso terrorista com objetivos desconhecidos (Benedict Cumberbatch) começa a botar seus planos em ação.

Assim somos apresentados ao vilão, cuja natureza intrigante fica clara logo no início com a troca de favores entre ele e outro personagem – e o plano que mostra o resultado de um sacrifício para logo em seguida exibir o motivo do mesmo é particularmente forte por nos fazer refletir quanto à moralidade do ato. Aliás, o sacrifício é algo que permeia toda a narrativa. Várias vezes, vemos tripulantes da Enterprise dispostos ao sacrifício para salvar uns aos outros, o que poderia eventualmente perder o impacto e soar artificial, mas aqui acaba criando um sentimento de união, de pertencimento, como numa família. Portanto, não deixa de ser curioso que Spock (Zachary Quinto) – de quem constantemente é cobrado algum tipo de demonstração de empatia mesmo que sua origem parcialmente vulcaniana seja de conhecimento geral – protagonize alguns dos momentos mais tocantes do filme. Quinto se estabelece de vez como sucessor de Leonard Nimoy (ou seria predecessor?) ao atingir um ótimo balanço entre razão e emoção, que dão força aos raros momentos em que esta prevalece sobre aquela.

Ainda no que se refere a vidas perdidas, J.J. Abrams é corajoso ao não tentar diminuir as consequências de determinados eventos (dentro dos limites da classificação indicativa, é claro), diferentemente dos responsáveis por Os Vingadores, por exemplo, que parecem querer que o espectador acredite que nem uma única vida inocente foi perdida durante um ataque alienígena. Abrams também ganha créditos ao não ignorar os trágicos eventos do filme anterior (tornando este uma sequência e não apenas mais um da série), o que contribui para aumentar o tom de urgência nos vários momentos em que tudo parece estar perdido e nos faz temer pelo futuro dos personagens.

Com um subtexto político, a trama de Star Trek Into Darkness gira em torno de um jogo de interesses no qual uns prezam pela integridade ideológica e outros julgam que os fins justificam os meios (e é interessante notar como, na cena em que um personagem importante desse jogo nos é apresentado, a maquete com a evolução das naves espaciais nos dá uma dica sobre a participação dele na história). Frequentemente, as ações dos personagens são influenciadas pela ideologia daqueles pelos quais possuem mais carinho e respeito. Nesse sentido, Pike (Bruce Greenwood) se estabelece como a figura paterna que Kirk jamais teve e Uhura (a bela Zoe Saldana) começa a confrontar a inexpressividade de Spock. Scotty (o ótimo Simon Pegg) e Bones (Karl Urban) reprisam bem seus papéis, servindo novamente como um bem-vindo alívio cômico. Já o Chekov de Anton Yelchin não ganha tanto espaço quanto no episódio anterior para nos divertir com seu estranho sotaque, ao passo que o sempre carismático John Cho também perde espaço com seu Sulu, apesar de possuir cenas mais marcantes. Fechando o elenco, temos o vilão de Cumberbatch (merecidamente reconhecido por seu ótimo trabalho na série britânica Sherlock), criando um personagem cuja superfície fria e calculista (que chega a tornar Spock emotivo quando comparado a ele) esconde revolta e uma ira quase animalesca.

Do ponto de vista técnico, J.J. Abrams cria ótimas sequências de ação e momentos de tensão, auxiliado pela montagem quase episódica que os objetivos dos personagens fornecem. Já seus quadros inclinados e travellings são moderados e bem utilizados principalmente ao conferir um bom ritmo às discussões e tomadas de decisões rápidas por parte dos tripulantes. Como não poderia deixar de ser numa produção dessas, os efeitos visuais e o design de produção são impecáveis, e, juntamente com a fotografia, criam ambientes únicos para cada locação que refletem a natureza de quem os habita e ajudam a contar a história. Destaco também o momento em que os tripulantes da Enterprise enfrentam um problema com a gravidade dentro da nave, numa sequência que parece ter saído de A Origem e que transforma longos e inofensivos corredores em fundos e perigosos poços.

E se por um lado fiquei satisfeito de conferir o novo “visual” externo do momento em que as naves entram em velocidade de dobra (oras, se de dentro vemos a luz das estrelas “esticando”, por que não esticar também as naves quando as observamos de fora?), por outro não consigo entender a obsessão de Abrams por seus malditos flares, que aqui parecem ter atingido o seu máximo (ou assim espero). Abrams parece ser o único que não vê mal algum em constantemente adicionar os reflexos artificiais das lentes que atrapalham a visão que os espectadores terão de seu filme.

Star Trek Into Darkness mostra que o ótimo reboot de 2009 não foi um acidente e que ainda há, sem trocadilhos, muito espaço para exploração na série. Nem mesmo o desfecho um tanto quanto previsível diminui os méritos do filme, já que sua previsibilidade é visível apenas para o espectador e não para os personagens, mantendo intacta e legítima a força de seus momentos finais. Mal posso esperar pela continuação.

(5 estrelas em 5)


Obs: A versão 3D é dispensável, pois é meio problemática e desnecessária, além de atrapalhar a legenda aqui e ali.