segunda-feira, 15 de julho de 2013

Onde eles estão?

Porque é óbvio que em algum lugar eles estão. De quem estou falando? De quem você quiser. Preenchido o requisito básico de estarem vivos, é claro, estou falando de quem você quiser.

Seus ídolos, por exemplo. O seu cantor favorito está em algum lugar da superfície da Terra neste exato momento. Sua atriz favorita está fazendo o ar entrar e sair dos pulmões agorinha mesmo. O diretor que você mais admira talvez esteja pensando, neste segundo, em algum aspecto do filme que você virá a adorar em breve. A escritora que mais te inspira, que mais te desafia e mais te provoca pode estar agora sofrendo para colocar no papel um sentimento que você divide com ela e ainda nem sabe. O comediante que consegue fazer você rir enquanto reflete sobre a vida pode estar criando uma piada genial enquanto você está lendo. O atleta que você mais admira está em algum lugar, com seu coração bombeando sangue pelo corpo. Independentemente de onde estão e do que estão fazendo agora, eles estão existindo.

Sempre que me pego pensando nisso, fico fascinado pela bizarrice da coisa. É estranho, não parece real. É como se no presente essas pessoas não existissem de fato. Existiram somente ao criar as coisas que tanto admiramos e durante o período em que as apreciamos, e depois disso elas somem no tempo e no espaço; mergulham no éter. Prontas para voltar à existência apenas quando nos convir. Até onde sei – e até que meus olhos me provem o contrário – essas pessoas são apenas projeções. Talvez daí venha a vontade que os fãs têm de ver seus ídolos com os próprios olhos; flagrá-los no tédio da vida real que engole os meros mortais para torná-los mais palpáveis, de certa forma.

O mesmo raciocínio se aplica também ao futuro amor da sua vida (ok, não sei qual é o status de relacionamento do leitor, mas usei “futuro” porque não acho que você estaria lendo estas bobagens se já tivesse alguém para chamar de seu). Só que aqui a certeza da existência... bem, não existe. Nada garante que haja alguém para mim ou para você por aí. Mas digamos – em nome de um falso otimismo utilizado pelo autor apenas para não deprimir o leitor – que exista essa pessoa para você. E supondo que uma diferença muito grande entre as idades de um casal te incomode (caso contrário, sua metade da laranja talvez nem tenha nascido ainda; afinal, em alguns casais, um deles já tinha mais de vinte, trinta ou sei lá quantos anos antes mesmo que o outro tivesse nascido), ela também já se encontra em algum lugar do planeta neste momento, respirando, cérebro trabalhando e tudo o mais. E mais uma vez eu me fascino ao imaginar que apenas a sucessão de alguns eventos, cada um no seu devido tempo, levará vocês dois a se encontrar.

Você talvez até já tenha pegado o mesmo ônibus que essa pessoa, ou ficado atrás dela na fila da loteca, ido no mesmo show que ela, xingado ela no trânsito, achado a moeda que ela deixou cair na rua, cantado “Parabéns” pra ela quando alguém “puxou” na lanchonete, atendido o telefone quando ela ligou por engano para sua casa ou até mesmo a tenha observado com interesse e desejo, mesmo que não vá se lembrar disso quando se conhecerem de fato.

E eu, grande fã do acaso, gosto de pensar que entre as pouquíssimas pessoas que lerão este texto, talvez esteja a mulher que um dia eu conhecerei e que despertará em mim o incontrolável desejo de fazê-la feliz.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Chute na fé

Final de campeonato. Um dos importantes. A partida está empatada aos 47 minutos do segundo tempo, como não poderia deixar de ser para que o autor alcance os efeitos desejados. Durante uma jogada ofensiva de um dos times, o zagueiro do time adversário consegue roubar a bola e a isola, o que se transforma num lançamento providencial para um companheiro atacante, numa jogada que o zagueiro mais tarde admitirá ter sido planejada.

A bola viaja pelo ar enquanto a torcida enche o mesmo com gritos de entusiasmo. O craque que inexplicavelmente ganha milhões por mês domina a gorduchinha praticamente sozinho no campo de ataque e avança em direção à área. O goleiro sai do gol para fechar o ângulo, na esperança de se sair tão bem na tarefa quanto seu esfíncter se saiu ao se fechar. O atacante invade a grande área, avalia a posição do goleiro, escolhe um canto do gol, prepara o chute e...

E aí ele sente.

Num daqueles momentos que só a ficção medíocre pode proporcionar, o mundo todo para e ele sente. Sente que a Dona Brigite escolheu um lugar diferente do sofá para se sentar. Sente que o Almeidinha não colocou o copo com água em cima da televisão. Que o Leandro não vestiu aquela mesma camisa de sempre (parte do uniforme do time nos anos 80) porque já não mais cabia nela. Que o Tuco lá da pizzaria não colocou aquele fio de pentelho na massa da primeira pizza do dia, o que já havia ajudado a garantir o campeonato para o time duas vezes no passado. Como ter certeza da vitória quando seus torcedores abandonam a força desses pequenos rituais?

Porém, para seu alívio, ele sente também que o Cabeleira lá na arquibancada está usando sua cueca da sorte, aquela que ele usa em todos os jogos e não lava nunca, mesmo que suas nádegas sejam sua principal fonte de suor. Sente que Alzira fez sua parte ao pisar no chão da cozinha com o dedão esquerdo do pé direito no terceiro azulejo da coluna do meio contando em ordem crescente da direita para a esquerda. Que Arthur deixou de se masturbar no dia anterior ao jogo, crente de que isso azarava o dia seguinte.

Mas não são apenas os torcedores do seu time que têm acesso a essas táticas, e o nosso atacante sente que do lado de lá também houve mobilização por parte de uns e abandono da causa por parte de outros. O casal Júlia e Ricardo, por exemplo, optou pela posição do “frango assado” no sexo pré-jogo, que vinha se mostrando mais eficaz do que o “coqueirinho” (apesar de a “bate-estaca” gerar bons resultados também). Já Clarissa cansou de piscar os olhos freneticamente enquanto seu time está com a posse da bola e decidiu que a vida é muito curta para acompanhar um esporte que pode acabar em empate, ao passo que Feliciano continua tomando o próprio sêmem em dia de jogo, tática que se mostrou eficaz em apenas 24% das vezes – o que talvez indique que o futebol já não tem qualquer peso sobre a decisão do rapaz de ingerir o viscoso líquido.

E aqui o atacante sente também todas as orações sendo feitas por torcedores de ambos os times, pois é de conhecimento geral que Deus é um grande fã do esporte e costuma meter a mão nos resultados de acordo com a frequência e intensidade dos pedidos. Isso, claro, somente quando sobra um tempinho da cansativa tarefa que é ignorar as orações de todo o resto da humanidade.

Curiosamente – e apesar de toda a relevância dos dados levantados pelo nosso atacante –, assim que o mundo volta a girar e o movimento do chute se completa, é o simples acaso que entra em cena para definir o resultado do lance, do jogo e de todos os eventos que se seguem. E os mais céticos diriam que assim sempre foi e sempre será.