sexta-feira, 5 de julho de 2013

Chute na fé

Final de campeonato. Um dos importantes. A partida está empatada aos 47 minutos do segundo tempo, como não poderia deixar de ser para que o autor alcance os efeitos desejados. Durante uma jogada ofensiva de um dos times, o zagueiro do time adversário consegue roubar a bola e a isola, o que se transforma num lançamento providencial para um companheiro atacante, numa jogada que o zagueiro mais tarde admitirá ter sido planejada.

A bola viaja pelo ar enquanto a torcida enche o mesmo com gritos de entusiasmo. O craque que inexplicavelmente ganha milhões por mês domina a gorduchinha praticamente sozinho no campo de ataque e avança em direção à área. O goleiro sai do gol para fechar o ângulo, na esperança de se sair tão bem na tarefa quanto seu esfíncter se saiu ao se fechar. O atacante invade a grande área, avalia a posição do goleiro, escolhe um canto do gol, prepara o chute e...

E aí ele sente.

Num daqueles momentos que só a ficção medíocre pode proporcionar, o mundo todo para e ele sente. Sente que a Dona Brigite escolheu um lugar diferente do sofá para se sentar. Sente que o Almeidinha não colocou o copo com água em cima da televisão. Que o Leandro não vestiu aquela mesma camisa de sempre (parte do uniforme do time nos anos 80) porque já não mais cabia nela. Que o Tuco lá da pizzaria não colocou aquele fio de pentelho na massa da primeira pizza do dia, o que já havia ajudado a garantir o campeonato para o time duas vezes no passado. Como ter certeza da vitória quando seus torcedores abandonam a força desses pequenos rituais?

Porém, para seu alívio, ele sente também que o Cabeleira lá na arquibancada está usando sua cueca da sorte, aquela que ele usa em todos os jogos e não lava nunca, mesmo que suas nádegas sejam sua principal fonte de suor. Sente que Alzira fez sua parte ao pisar no chão da cozinha com o dedão esquerdo do pé direito no terceiro azulejo da coluna do meio contando em ordem crescente da direita para a esquerda. Que Arthur deixou de se masturbar no dia anterior ao jogo, crente de que isso azarava o dia seguinte.

Mas não são apenas os torcedores do seu time que têm acesso a essas táticas, e o nosso atacante sente que do lado de lá também houve mobilização por parte de uns e abandono da causa por parte de outros. O casal Júlia e Ricardo, por exemplo, optou pela posição do “frango assado” no sexo pré-jogo, que vinha se mostrando mais eficaz do que o “coqueirinho” (apesar de a “bate-estaca” gerar bons resultados também). Já Clarissa cansou de piscar os olhos freneticamente enquanto seu time está com a posse da bola e decidiu que a vida é muito curta para acompanhar um esporte que pode acabar em empate, ao passo que Feliciano continua tomando o próprio sêmem em dia de jogo, tática que se mostrou eficaz em apenas 24% das vezes – o que talvez indique que o futebol já não tem qualquer peso sobre a decisão do rapaz de ingerir o viscoso líquido.

E aqui o atacante sente também todas as orações sendo feitas por torcedores de ambos os times, pois é de conhecimento geral que Deus é um grande fã do esporte e costuma meter a mão nos resultados de acordo com a frequência e intensidade dos pedidos. Isso, claro, somente quando sobra um tempinho da cansativa tarefa que é ignorar as orações de todo o resto da humanidade.

Curiosamente – e apesar de toda a relevância dos dados levantados pelo nosso atacante –, assim que o mundo volta a girar e o movimento do chute se completa, é o simples acaso que entra em cena para definir o resultado do lance, do jogo e de todos os eventos que se seguem. E os mais céticos diriam que assim sempre foi e sempre será.

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