sábado, 10 de agosto de 2013

A mão da espada

Já tem algum tempo que eu tenho um convênio médico. E já tinha algum tempo que eu — preguiçoso e grande defensor da ideia de que “quem procura, acha” — não fazia qualquer uso desse convênio, nem mesmo para exames preventivos. Oras, vai que o médico, ouvindo meu coração com o estetoscópio, vira e fala que tem um tumor gigante na minha cabeça? E que a forma de tratamento é amputar minha perna esquerda e esperar que ele escorra pelo buraco que ficar? Que meu cérebro é na verdade apenas 5% cérebro e 95% tumor? Ok, pelo menos isso explicaria bastante coisa...

Mas não tem problema, porque a vida achou que era muito dinheiro jogado fora e deu um jeito de fazer com que eu aproveitasse o convênio de algum jeito. Ela resolveu que eu ia quebrar um osso da mão jogando futebol cunzamigo. E não digo isso para pagar de o fodão que masculamente se machucou jogando bola, e que com muito orgulho superou a dor e continuou a partida, merecidamente recebendo uma medalha de “honra ao mérito” que custa um real e de ouro só tem a cor, com trompetes tocando ao fundo.

Não. Estou falando do cara que é considerado o “café com leite”; o “teleton”, se preferir. Do cara que sabe que os menos habilidosos que possuem o mínimo de sensatez devem ser goleiros durante a maior parte do jogo, esperando até que os outros se cansem e estejam com os pés cheios de bolhas para, aí sim, se arriscar a ir para a linha e tentar marcar seu golzinho. Estou falando do cara que descobriu que a conta chute forte + goleiro que vai na bola com mão de alface = encostar o dedão direito na parte de trás do pulso direito. Dando um significado todo novo à pergunta que já ouvi de alguns professores que não gostavam de calculadora na faculdade: “Puxa, mas vai te quebrar a mão se você resolver essa equação sozinho?”. Sim.

Quando ficaram sabendo qual osso quebrei, ouvi de três médicos diferentes e da minha avó (que já foi enfermeira) quase que invariavelmente a mesma frase: “Tanto osso no corpo para quebrar e você vai quebrar logo esse?”. Sabe por que falaram isso? Porque é o pior osso para se quebrar no corpo, e é bem comum precisar de cirurgia. E o malandrinho costuma precisar de umas boas 10 semanas imobilizado para se curar. Estou há duas semanas com o gesso; só faltam DOIS MESES.

Sabe o que significa ficar sem poder usar a mão direita por dois meses e meio? Sendo destro? Poxa, é a mão da espada, como diria Jamie Lannister. Significa que eu não consigo fazer nada direito. Significa usar a mão esquerda para o mouse E para digitar, o que desacelera “um pouco” a produtividade no trabalho. Significa que levo o triplo de tempo para digitar e tenho que escolher bem o que vale a pena postar (e o fato de que este post foi publicado diz algo sobre o meu conceito de “valer a pena”). Significa que eu não consigo sequer assinar meu nome, porque não tinha ideia que a esquerda era tão imprestável assim (não que eu escreva muito com caneta ou lápis; uso o Word até mesmo para anotar recados de telefone, mas seria bom ter a possibilidade).

Significa que a caceta desse gesso vai assistir comigo à última temporada inteira de Breaking Bad, que nem começou ainda. Significa também ficar dois meses e meio sem envolver minha genitália com a mão que vem sendo aperfeiçoada na tarefa durante toda minha vida (seu recalque bate na minha mão e quebra meu osso na tela do computador e volta na sua cara). Significa não conseguir me limpar direito. Significa tomar banho por dois meses e meio sem nunca ficar de fato limpo, porque enquanto se lava o resto do corpo, o braço e a mão do sujeito que sofre de hiperidrose ficam confinados numa toalha e num saco plástico, e à altura em que termino, o aroma resultante da “sauna localizada” faz com que eu me arrependa de ter ido para o banho para início de conversa. Em noites frias, significa ficar com a sensação de se estar com o antebraço mergulhado numa piscina fria, ou de se estar pescando no gelo usando a mão (eu imaginei que o gesso ajudaria a aquecer por cobrir a pele, mas o safadinho é bem frio e aparentemente é imune a roupas de frio e cobertores). Significa ficar com o dedão imobilizado na posição de joia durante um bom tempo. Por dois meses e meio, aparentemente tudo estará ok para mim.


Eis como me sinto.

Só agora percebo como tudo era ótimo antes de isso acontecer. Mas detesto todo aquele papo de que não se deve reclamar quando tem gente numa situação pior que a sua (vi um cara no hospital que cortou fora três dedos numa máquina de fazer caldo de cana; receita nova, pelo jeito). Até porque seguindo esse raciocínio, apenas uma pessoa no planeta poderia reclamar da vida, que seria a pessoa na pior situação possível. Alguém que perdeu um braço não pode reclamar porque outro alguém perdeu os dois, e o que perdeu os dois não pode reclamar porque um terceiro alguém nasceu com quatro e não consegue usar nenhum... e assim por diante até chegarmos à pessoa mais ferrada, a única que pode reclamar, que provavelmente é alguém que mora na Índia ou algo assim.

Se tem uma coisa que nunca se esquece é o nome de um osso que se quebra. O nome desse é escafoide.
É... fodeu mesmo. (Péssimo trocadilho, eu sei, mas aposto que você também faria. E outra, me dá um desconto vai, afinal não sei se já falei, mas eu quebrei um osso.)

3 comentários:

  1. Todo atleta tem seus dias de baixa, você vai superar essa contusão e vai voltar logo logo para a ativa, não se preocupe.

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  2. Nossa cara, ri altíssimo, especialmente na descrição técnica do agasalhamento genital.

    Espero que você se estrepe mais para trazer mais textos divertidos para nós. Obrigado, beijos.

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    1. Realmente tocante o seu voto de coisas boas para mim.
      Hahahaha valeu, Bruno!

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