Já tem algum tempo que eu tenho um convênio médico. E já tinha algum tempo que eu — preguiçoso e grande defensor da ideia de
que “quem procura, acha” — não fazia qualquer uso desse convênio, nem mesmo
para exames preventivos. Oras, vai que o médico, ouvindo meu coração com o
estetoscópio, vira e fala que tem um tumor gigante na minha cabeça? E que a
forma de tratamento é amputar minha perna esquerda e esperar que ele escorra
pelo buraco que ficar? Que meu cérebro é na verdade apenas 5% cérebro e 95%
tumor? Ok, pelo menos isso explicaria bastante coisa...
Mas não tem problema, porque a vida achou que era muito
dinheiro jogado fora e deu um jeito de fazer com que eu aproveitasse o convênio
de algum jeito. Ela resolveu que eu ia quebrar um osso da mão jogando futebol
cunzamigo. E não digo isso para pagar de o fodão que masculamente se machucou jogando
bola, e que com muito orgulho superou a dor e continuou a partida, merecidamente
recebendo uma medalha de “honra ao mérito” que custa um real e de ouro só tem a cor, com trompetes tocando ao
fundo.
Não. Estou falando do cara que é considerado o “café com
leite”; o “teleton”, se preferir. Do cara que sabe que os menos
habilidosos que possuem o mínimo de sensatez devem ser goleiros durante
a maior parte do jogo, esperando até que os outros se cansem e estejam com os
pés cheios de bolhas para, aí sim, se arriscar a ir para a linha e tentar marcar seu golzinho. Estou falando do cara que descobriu que a conta chute
forte + goleiro que vai na bola com mão de alface = encostar o dedão
direito na parte de trás do pulso direito. Dando um significado todo novo à
pergunta que já ouvi de alguns professores que não gostavam de calculadora na
faculdade: “Puxa, mas vai te quebrar a mão se você resolver essa equação
sozinho?”. Sim.
Quando ficaram sabendo qual osso quebrei, ouvi de três
médicos diferentes e da minha avó (que já foi enfermeira) quase que
invariavelmente a mesma frase: “Tanto osso no corpo para quebrar e você vai
quebrar logo esse?”. Sabe por que falaram isso? Porque é o pior osso para se
quebrar no corpo, e é bem comum precisar de cirurgia. E o malandrinho costuma
precisar de umas boas 10 semanas imobilizado para se curar. Estou há duas
semanas com o gesso; só faltam DOIS MESES.
Sabe o que significa ficar sem poder usar a mão direita
por dois meses e meio? Sendo destro? Poxa, é a mão da espada, como diria Jamie
Lannister. Significa que eu não consigo fazer nada direito. Significa usar a
mão esquerda para o mouse E para digitar, o que desacelera “um pouco” a
produtividade no trabalho. Significa que levo o triplo de tempo para digitar e
tenho que escolher bem o que vale a pena postar (e o fato de que este post foi
publicado diz algo sobre o meu conceito de “valer a pena”). Significa que eu
não consigo sequer assinar meu nome, porque não tinha ideia que a esquerda era
tão imprestável assim (não que eu escreva muito com caneta ou lápis; uso o Word
até mesmo para anotar recados de telefone, mas seria bom ter a possibilidade).
Significa
que a caceta desse gesso vai assistir comigo à última temporada inteira de
Breaking Bad, que nem começou ainda. Significa também ficar dois meses e meio
sem envolver minha genitália com a mão que vem sendo aperfeiçoada na tarefa
durante toda minha vida (seu recalque bate na minha mão e quebra meu osso na
tela do computador e volta na sua cara). Significa não conseguir me limpar direito.
Significa tomar banho por dois meses e meio sem nunca ficar de fato limpo,
porque enquanto se lava o resto do corpo, o braço e a mão do sujeito que sofre
de hiperidrose ficam confinados numa toalha e num saco plástico, e à altura em
que termino, o aroma resultante da “sauna localizada” faz com que eu me
arrependa de ter ido para o banho para início de conversa. Em noites frias,
significa ficar com a sensação de se estar com o antebraço mergulhado numa
piscina fria, ou de se estar pescando no gelo usando a mão (eu imaginei que o
gesso ajudaria a aquecer por cobrir a pele, mas o safadinho é bem frio e aparentemente
é imune a roupas de frio e cobertores). Significa ficar com o dedão imobilizado
na posição de “joia” durante um bom tempo. Por dois meses e meio, aparentemente tudo estará “ok” para mim.
Só agora percebo como tudo era ótimo antes de isso acontecer. Mas detesto todo aquele papo de que não se deve reclamar
quando tem gente numa situação pior que a sua (vi um cara no hospital que cortou
fora três dedos numa máquina de fazer caldo de cana; receita nova, pelo jeito). Até
porque seguindo esse raciocínio, apenas uma pessoa no planeta poderia reclamar
da vida, que seria a pessoa na pior situação possível. Alguém que perdeu um
braço não pode reclamar porque outro alguém perdeu os dois, e o que perdeu os
dois não pode reclamar porque um terceiro alguém nasceu com quatro e não
consegue usar nenhum... e assim por diante até chegarmos à pessoa mais ferrada, a única que
pode reclamar, que provavelmente é alguém que mora na Índia ou algo assim.
Se tem uma coisa que nunca se esquece é o nome de um osso
que se quebra. O nome desse é escafoide.
É... fodeu mesmo. (Péssimo trocadilho, eu sei, mas aposto que você
também faria. E outra, me dá um desconto vai, afinal não sei se já falei, mas
eu quebrei um osso.)
Todo atleta tem seus dias de baixa, você vai superar essa contusão e vai voltar logo logo para a ativa, não se preocupe.
ResponderExcluirNossa cara, ri altíssimo, especialmente na descrição técnica do agasalhamento genital.
ResponderExcluirEspero que você se estrepe mais para trazer mais textos divertidos para nós. Obrigado, beijos.
Realmente tocante o seu voto de coisas boas para mim.
ExcluirHahahaha valeu, Bruno!