Ela
não sentia medo deles. Tinha apenas 9 anos, uma idade em que o medo de monstros
ainda é mais do que natural, e já os temia tanto quanto a uma joaninha. Já não
se identificava mais com as colegas da escola, que a cada semana apareciam com
toda a sorte de histórias e nomes novos, supostamente assustadores. Não para
ela.
Não
que não acreditasse nas amigas, ou mesmo em monstros. Pelo contrário. Tanto
acreditava que por várias vezes via formas estranhas demais para serem obras do
acaso surgindo nas sombras dançantes das árvores, projetadas na parede de seu
quarto durante a noite. Era comum também ouvir movimentos embaixo da cama, como
se unhas arranhassem o soalho de madeira do quarto. Sempre que baixava a cabeça
para flagrar o monstro lá embaixo, nada via, mas podia jurar que sentia algo
farfalhar em seus calcanhares toda vez que colocava os pés no chão para
levantar da cama.
A
visita mais constante que recebia, porém, era a do par de olhos vermelhos que
apareciam na fresta do antigo armário de seu quarto, cuja porta defeituosa não
mais fechava por completo. Era um olhar vivo, embora cansado. Levou algum tempo
para deixar de considerá-lo ameaçador e perceber que na verdade transmitia
certo abatimento; talvez até vergonha. Com efeito, lembravam-na dos olhos
tristes e entregues que sua mãe carregava na maior parte do tempo, com a
diferença que os dela eventualmente amanheciam roxos em vez de vermelhos.
Sua
mãe era uma pessoa quieta. Estava sempre cabisbaixa, fosse quando o marido
chegava da noitada com os amigos, fosse enquanto realizava as tarefas caseiras
durante o dia. Tarefas essas que eram prontamente criticadas, aos berros, pelo
marido, mal este colocava os pés dentro de casa.
Não,
não tinha medo dos olhos no armário. Nem de qualquer outro monstro. Por que
teria, se nenhum deles jamais havia feito mal algum a ela?
Medo
mesmo, daqueles paralisantes, ela sentia sempre que a porta de seu quarto era
aberta lentamente no meio da noite, revelando uma silhueta sombria. Seu pequeno
coração saltava e batia violenta e audivelmente, o que parecia agradar o
invasor, que se detinha algum tempo no batente da porta para saborear o que
estava por vir. Inutilmente, ela fingia estar dormindo, traída impiedosamente
por sua respiração pesada e falha e pelos tremores que lhe percorriam o pequeno
corpo. Nada que jamais tivesse impedido a silhueta de seu pai de entrar no
quarto, avançar até a cama da filha e se meter embaixo das cobertas,
sussurrando em seu ouvido que era hora de brincar.
A partir
desse ponto, só lhe restava virar para o lado oposto e cair no choro, cujo som
era sufocado pela manzorra do sujeito, que lhe tapava a boca e dominava toda a
parte inferior da cabeça.
Virou-se para fitar o armário. E lá estavam eles de novo, os impotentes olhos vermelhos, observando. E tudo o que a menina conseguia fazer era devolver-lhe o olhar, carregado de lágrimas, frustração e decepção. Como se perguntasse a quem estava lá dentro por que não saía para salvá-la.
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